Há algumas semanas, fomos a um aniversário de 15 anos, de uma menina da família.
Em outros tempos, essa comemoração típica das meninas, era chamada de festa de debutante. Era a representação de quando a menina deixava para trás a fase de criança, e começava a assumir a fase de mulher. Passava da infância e adolescência, para a mocidade.
Hoje, com a chegada cada vez mais precoce da idade adulta por parte de todos, passou a ser apenas a comemoração de uma nova fase. Ao lado de familiares e amigos.
Representações típicas da vida de cada pessoa. Onde para uns podem não ter tanto sentido, porém para outros possuem sentidos imensuráveis.
E para a debutante em questão, representava muito. Foram vários momentos de emoção, divididas com os que estavam presentes. Que, se lá estavam, era porque representam algo em sua vida.
Familiares mais próximos. Nem tão próximos como eu. Amigos. Namorado. Conhecidos. Todos se dirigiram para brindar a passagem. Para celebrar a vida. De alguém que ainda tem uma longa jornada pela frente.
Em um momento desses, todos os olhares estão voltados para a debutante. Todos os holofotes estão direcionados para o seu brilho. Todas as atenções estão focadas em sua alegria.
Talvez poucos tenham se atentado a um detalhe gigante. Talvez esse detalhe tenha passado desapercebido, porque muitos não conhecem a história à fundo. Talvez só eu tenha me atentado, porque o momento não era para essa divagação.
Mas não havia como deixar de perceber a alegria e o brilho nos olhos do seu pai.
Obviamente, os pais estão felizes neste momento. Sua mãe também irradiava alegria e emoção. Mas a satisfação na alma paterna era a mais visível. Quem sabe, apenas para os mais atentos. Ou porque os detalhes são para poucos e minuciosos observadores.
Seu pai, um adulto jovem, irradiava satisfação pelo momento mais importante da, até então, breve caminhada da sua primogênita.
Mas, teria motivos para não estar assim. Teria motivos para ver a sua jornada de forma diferente. E não o fez.
Seu pai sempre foi de família humilde. Desde pequeno teve que trabalhar para ajudar a toda família no sustento de um lar simples. Não sei ao certo, mas com certeza teve que abdicar de momentos que poderiam ser de alegria e lazer como criança e adolescente, para colaborar com a sustentação sua, da mãe e dos irmãos.
Não conheceu o pai. Por caminhos do destino, tiveram trajetórias diferentes. Por motivos diferentes. Que não cabe a ninguém entender se certo ou errado. Apenas compreender como diferentes.
No auge da sua fase juvenil, onde todos os hormônios, pensamentos e ilusões atingem o ápice do êxtase, teve um acidente. Perdeu os movimentos dos membros.
Passou próximo de chegar ao final da jornada. A trajetória por hospitais, médicos, fisioterapeutas, foi intensa. A recuperação lenta.
Com dedicação, resiliência, apoio e força, conseguiu retornar os movimentos dos braços. Tendo que reaprender a usá-los aos poucos. Como se voltasse a ser a criança que reconhece seu corpo, um pouco a cada dia.
Os tempos acamado, fizeram surgir feridas nas costas. Típico de quem tem esse problema. Incômodo. Doloroso. Difícil. E que demoraram a desaparecer.
Imagino a descrença com o mundo. Em pleno vigor juvenil, se deparar com tamanha limitação. A angústia da readaptação. O sofrimento ao ter que mudar a trajetória da sua jornada para algo totalmente novo. Mas também imagino a força de vontade de querer viver.
Ao precisar conhecer o pai, descobriu que este tinha encerrado sua jornada de forma precoce. E mais uma vez, perdeu. Perdeu a chance de conhecer aquele que o gerou. Ao menos à fundo.
A semelhança entre ambos, não é apenas física. Mas também com a tragédia abalando suas jornadas quando ainda jovens. Ambos por fatalidades. Mas com finais distintos.
Se não conheceu a fundo o pai, pode receber uma nova parte da família. Que o abraçou como deveria ter sido há tempos. Mas que nunca será tarde.
A trajetória persistiu. A caminhada tinha que ter algo a mais.
Apesar de ter tudo para ser uma pessoa amarga, rancorosa, triste, melancólica, não foi. Nem é!
Formou família. Teve dois rebentos, dos quais, a mais velha comemorou sua passagem à vida adulta nesta festa.
Festa onde, desde o início, era nítida sua alegria e felicidade. Seu brilho nos olhos. Sua emoção em atender a todos os que estavam presentes.
Sorriu. Cantou. Dançou uma maravilhosa coreografia. Ainda que amparado pela sua limitação em uma cadeira de rodas, mostrou desenvoltura. Talvez mais do que eu teria, sem as limitações que provém dele.
E teve, com certeza, a noite mais feliz da sua, ainda, curta jornada.
Alegria e tristeza estão presentes em cada caminhada. Na dele e na nossa. Sempre. A cada momento de nossa jornada. Alguns com mais momentos felizes. Outros com intensidade mais para a tristeza.
Em uma festa onde, fui despretensiosamente participar, pude aprender tamanha lição que levarei para sempre.
Alegria e tristeza são escolhas….
Por Sérgio Honório